terça-feira, 1 de abril de 2008

O homem bêbado

- Balas de tamarindo! Deliciosa novidade paulista!
- ...justo eu, um estudante da Faculdade do Largo São Francisco, não levei tiro na Ditadura. vivo! E sabe porquê?! Porque eu lutei! Eu sim fui um grande homem. Mas hoje eu vou dormir na rua. É, aqui é minha casa, meu lugar é dormir... na rua! Um grande homem...

Olhares assustados observavam o homem bêbado que berrava na estação.

- Torrone, só um real a barra!
- ...um homem que foi estudante da São Francisco. Quarto ano de Direito lá. E a próxima novela vai ter pessoas negras, da minha gente. Ô, como eles são lindos. São negros, são lindos. Gente que nem eu, vocês vão ver. Eles vão vencer. Mas hoje... hoje eu vou dormir na rua.

Lá longe, no horizonte morto pela fumaça do ônibus, a rua movimentava-se regularmente. Todos seguiam seu caminho.

O homem que dormiria na rua - antigamente, estudante da São Francisco - hoje dá aulas sobre a vida num terminal de ônibus.

Sentou-se num banco de mal jeito e machucou o traseiro. Tive quase absoluta certeza que havia fraturado algum osso.

Não recebeu auxílio.
- Tudo bem, gente! Eu bem. acostumado com isso.

Sorriu pelo canto da boca, fechou seus pequenos olhos e chorou. Ergueu sua mão até o rosto, limpou as lágrimas que caiam e olhou para mim, que o observava desde o princípio.
Não dissemos nada.
Não disseram nada.
Não dizem nada.
Nunca dizem nada.

O horizonte morrera por completo naquela tarde.

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