segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Istó-ria

Alguma coisa me falta, e por este motivo não posso seguir em frente. Me faz falta algo que não consigo enxergar, talvez porque esta coisa que me falta não existe fisicamente, não é palpável, mas me faz falta. Me doem os pulsos e a cabeça. Isto que me faz falta, isto que me dá essa enorme angústia, fugiu de mim, evadiu-se de meu corpo, e não tenho vestígios.
Andei muito pelas ruas neste ano que passou. Cem mil passos pelas ruas, sem passos certos ou rumos definidos. E, quem sabe, numa dessas viagens, acabei por deixar esta coisa que me falta, hoje tão absurdamente ausente, cair pelas calçadas, derrapar nas ladeiras, vazar pela rua.
Este espaço que deveria ser preenchido por isto que me falta deu lugar a uma mão que aperta as veias de meu pescoço com uma força descomunal. Não há sangue correndo em meu corpo, agora. O fluído da ausência ocupou o espaço destinado às hemácias. Não possuo mais glóbulos vermelhos. O que tenho é a falta, esta inquilina indesejável que insiste em retornar do pulmão ao corpo, num inexorável movimento involuntário.
Isto que me falta pode ser um abraço que esvaiu-se na correria do tempo. Isto, tão ausente que mal nome tem, pode ser um beijo dado com pressa, ou talvez nem dado. Uma palavra desferida a queima roupa, um consolo que não existiu, um desprezo, uma rejeição, isto pode ser minha falta. Entretanto, não a descubro. Se pelo menos soubesse o que ela é...! Se isto tem nome, mostrem-me! Mostrem sua face, e prometo que cessarei meus infortúnios.
Tenho consciência de que morro a cada segundo que passa. Vou desaparecendo aos poucos, num trabalho minucioso do tempo, e de repente posso não existir mais. Nada me foi devolvido, por isso morro contra minha vontade. Esfarelo-me. Sou aquela que morre sem cicatrizes, lentamente. E, se por acaso acharem isto que me faz falta, não hesitem em avisar-me. O quanto antes chegarem, melhor, pois encontrarão-me mais forte. Mas se não chegarem a tempo... digam-lhes que simplesmente fui.
Olhem por meus olhos para isto que acharem. Enterrem, junto a mim, no espaço da ausência, o que tanto me fez falta. Então vão embora sem olhar para trás.
Ali estarei gelada, porém completa.

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