segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Fidel

quatro patinhas encobertas por um suave pelo branco e liso
esparramadas pelo chão num desenho vertiginoso e ilógico
apenas quatro aninhos e a barba de um vovô idoso
olhinhos pequenos e negros contrastam seu rosto alvo
o focinho molhado de vez em quando esfria minha pele
passa um pesado avião por cima de nós
- vuuuuuuuushhhhhhhhhhhh
nada lhe acorda, nem a buzina do ônibus, nem o digitar do teclado
inerte, você dorme profundamente, sonhando com algo que jamais poderei adivinhar
talvez um sonho em preto em branco, sobre nada, ou sobre tudo
só sei que parece estar em paz - como eu muitas vezes não sei estar.
Pouso minha mão sobre sua barriguinha quente,
faço um carinho, faço dois, e quando vejo, já me perdi em lhe acariciar
escorrego minha mão pelo seu frágil corpo, da cabeça ao rabo
tudo em você é tão pequenino, Fidel
menos o coração que você carrega no peito.
Lá, há espaço para perdoar todas as vezes em que saio sem lhe avisar quando volto
quando saio estabanada pela casa e não lhe vejo pelo caminho
quando tenho que lhe dar banho - ah, me desculpe, Fidelzinho!
quando não tenho tempo de lhe levar ao parque, ou para dar uma volta no quarteirão
quando não lhe acho em meio aos lençóis brancos
quando fico irritada com seus latidos, amedrontados, em resposta aos trovões
quando lhe deixo só por tanto tempo...
e seu perdão é fiel, Fidel. E inexorável.
Eu sei que você não viverá para sempre. Mas eu também não.
Nossos relógios de vida estão escondidos n'algum lugar
- talvez o meu no céu das pessoas, e o seu no céu dos cachorros -
e lá eles sabem quanto tempo mais nós temos.
Abraço-lhe forte agora, você abre o olho direito e lambe minha mão
fica olhando para mim como se procurasse a minha cura.
E eu fico aqui pensando, amargurada,
como jamais na vida recebi demonstração de amor mais pura.



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